quarta-feira, 30 de julho de 2008

este sorriso (de Klimt)



neste cheiro de ti
um aroma picante a prado verde
o cheiro de nós dois
juntos

um vaso de delírios
o som do piano que está em qualquer lado
para além do fim
e do começo
no banho de afectos
na horas mortas
mas tão vivas nas cintura
na carícia ousada
rainha do nosso pouco tempo
na pressa dos beijos

nesse eterno fugir das tardes
e da verdade que fica do lado de fora
quando o teu verso
se impõe em lume
por arder
e me chega disfarçado de maça doce
para que eu o trinque devagar
no gesto que te peço
de fechar os olhos e morrer
no rasgar de dentes sem ferida

e este impulso de planicie
que se faz curva no desejo
esse cálice deslizante
de pele
que se parte
em água
e mel

quando ouves o fechar
vagaroso
da porta
quando tudo o que há em ti
quer entrar
e não encontrar a saida

e a sorrir balançamos
a caminho do mar imenso
porque a felicidade também está nos cantos redondos das coisas em que tocas

quando dizes que o meu sorriso foi feito só para ti

Eme






choveu tanto naquele tempo
ainda assim eles continuam com os pés secos
a boca seca
a alma morta

um fermento de angústia
uma dor a latejar
no cerne do tumor
a purgar sangue
e pús

numa ferida calada
numa condição
plena
saturada
submissa
na fome do corpo
na sede da carícia
doentia
tão desesperada
de um tempo sem duvidas ou nós de dedos

que falta lhes faz agora
o grito
que vinha dos sentidos que desabavam
noutras coisas
paradas no espanto
suspensas dos dias sem retorno

porque tudo era verdade
demasiadamente verdade
que o sangue deles escorria em gotas
espessas
nos trilhos da neve branca
na ferida das feridas
e eles nem sabiam
que foram mortos pelo coração

Um de cada lado,
obviamente.




Eme




quinta-feira, 17 de julho de 2008

serpente do mar



a noite pesa tanto nas ervas
que tropeço nesse verde de seda
nesta sede antiga
de precipício
que me divide o afago lento
morno
gotejante

serpenteio
e encaixo-me
na vingança secreta
dos dias sem nós
nessa promessa velada
de nos despirmos
(despedirmo-nos)
um do outro
horizontalmente

e pouco a pouco vou ficando sonata
como se fosse possível
com música
o adeus e o pecado num copo com gelo

no tempo exacto
em que trocamos de alma
de água
de suor
esquecidos do frio
no desafio constante do fim
na ânsia do jogo
onde ganha a alusão dos sentidos
os não e os sim
que vêm de dentro.

“Adoro quando a tua sede me provoca”
Dizes tu.

e fico ali
na maresia da espera
desse instante em que o Verão não acaba mais,
quando eu não sou de mais nada

senão das tuas mãos

Eme


(imagem de Pedro da Costa Pereira)

Ainda faltam as perguntas para além do olhar


chamei-te quando as raízes do tempo
não abriram o chão
no teu peito
no fim da estação dos medos
no fim das janelas abertas

de olhos tristes
traduzias as letras
de esperas
no espanto dos gatos
num corpo perfeito
sem manhãs de amanhãs
sem madrugadas de ontem

dizemos das agruras desse tempo
e como são agudas
agora
as pedras do caminho
mas o que posso eu fazer
se me perdi de ti ?

iludimos a palavra à força de a calar
no sentido do retorno
estendeste-me uma raiz encoberta
agora que eu já parti desse cais
não sei onde deixei as respostas
não sei o que fazer com este mar
que te pedi ontem.
Não sei.

só ficou um olhar à espera da resposta
uma resposta qualquer
monossilábica
indecifrável
uma vertigem felina
aberta à pastagem de um campo minado

só nós sabemos
essa força das coisas que não dizes


Eme

sexta-feira, 11 de julho de 2008

a dor das horas tardias

dói-me o corpo de te querer

trago a tua voz rouca
enrolada nos meus cabelos
quando do sal que me aflora aos poros
se faz sangue

nas horas das tardes dentro das noites
esperadas
quando me tens
selvagem
cabra e casta
e me completas
e me fazes uma só

muito mais do que te quero
em escala de subida íngreme
sou desígnio de flor aberta
em ferida exposta
num misto de êxtase
grito e dor
ternura e cetim branco

queria-te agora em mim
mesmo sabendo que ficaria incompleta
mesmo sabendo que quanto mais te tenho mais te preciso
na forma dos contornos
quando os gestos doem
no latejar das tuas veias
nesta lucidez
imprecisa e inútil
de saber porque te quero tanto

( de que adianta sabe-lo se não deixo de te querer ? )


Eme

luar de meia lua



ele não viu a noite nebulosa
nem o frio que apertou as casas
e fechou as portas
nem os soluços de água
de dor
nos olhos

o abrir da noite
o escuro
o apagar apressado da chama
na dança do vento breve
na memória da retina
no abraço demorado das estrelas
na despedida

esta náusea cansada do sossego de tudo
este rolar de coisa nenhuma
no centro da noite
os passáros que dormem
á espera de nós
para acordar a manhã
as asas que partem
para sempre
porque (nós sabemos) nunca se volta

Que pena não teres visto a lua
com o silêncio a cair-lhe das mãos

Nas vozes da noite
ficou o cheiro da vela ardida
em dedos de cera
na beira da paleta
de cinzentos mate
com que pintaste o céu de melancolia

Onde estás e que noite é esta que tudo escurece ?

Eme
(imagem de António Cardoso)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

estátua de sal


há um mistério de miragem
espreitando o mar nocturno
no auge do cálice

um tempo gasto de meia luz
uma claridade cega
ébria de carícias
imperceptíveis
adivinhadas
lascivas

ou as tuas mãos disfarçadas de conchas
olhos famintos de enigmas
num casual calafrio de silêncio

é esse teu cheiro de agora
esse toque de ânsia
com gosto de vinho quente
sonolento
sem pressa
deslizante
que limita o meu mundo: Estátua Acesa
De sal.

suspensa
num infinto de pétalas rubras
num roçar de faíscas
esculpida a cinzel
de gozo

e nascem caudais de rios
e aromas de maresia

na ordem natural de paredes brancas
nas sombras
da entrega por inteiro

são as tuas mãos que pouco a pouco
me vão fazendo
naquilo que sou


Eme

terça-feira, 8 de julho de 2008

Ponto Norte


fiquei aqui
na volta da procura
de tanto fechar os olhos e deixar-me ir
já não sei onde estou.

vesti máscaras drapeadas do nada
corri noites cheias de tudo
espalhei luares nos segredos
mudei fins de chegada
enquanto ia
enquanto voltava


embalada na memória dos canticos
das árvores matinais
para me sentar
em caminhos de pedra
a escrever pensamentos em itálico
como as linhas do caminho
em diagonal de curva fechada

apontei tanto ao teu sul
que perdi o meu norte
no tempo das demoras
no atraso das alegrias que escorrem dos náufragos
aqui
entre o sono e as velas
que o vento deitou fora
em vertigem veloz de túnel
alucinante.
Em torno de mim.

acordo inerte dentro de água
no meio das palavras não-ditas
e não sei o caminho
nem sei se morreste

mas cada vez que sorris
eu nasço outra vez

Eme

sábado, 5 de julho de 2008

Azul Intenso


danço na curva fechada
do ordinário para o celestial
num olimpo incerto de sol posto
desse modo único
e impossivel
com que usas a ponta dos teus dedos

no esmagar do espaço vital
no embate urgente
consumado
dos corpos
quando o riso se escapa dos olhos
e escorre num gemido brando

num esgar
de garras afiadas
rasgando o contorno das manhãs
pela humidade em fogo
da pele

diremos depois a lua branca
pintada de múrmurios
e de silêncios escondidos com a mão
que amordaça.
ou os beijos que eu desmereço

Enquanto eu ali
frágil
tão casta
quanto selvagem
nessa obediência ondulante
na dança ritmada
na subida excessiva
ambulante

refém dessa cor
azul intenso
com que visto o teu desejo

Eu sabias que virias assim
na ordem perfeita
do cio
muito cedo e contudo tão tarde

Eme


(imagem de Marco Ricca)

terça-feira, 1 de julho de 2008

coisas de Tristeza


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Não quero falar desta tristeza
Que me cobre
Como manto cinzento
Que me segura e me aquece
Se eu falar
Deslaça
E evapora
E depois não tenho como chorar

Com versos submersos na água das noites
Prefiro escrever
Sobre a dor
Desfio o desencanto
Que agoniza
Breve e excessivo
Nas sombras esbatidas
Que me dançam nos olhos

A náusea
de sentir este peso de estar
De ser
Culpada de todos os crimes de beira de estrada
Serena nas ausências que senti
Surda-muda nos ruidos do silêncio
Passiva na morte da andorinha negra
(tambem ela irreverente nos dias bebidos
na aventura).

Culpada de todos os beijos que não dei
Culpada das dores que fingi
Culpada porque não virei o tempo para trás
Para alinhar o quadro com os outros quadros da parede.

Porque eu estive sempre lá
Sempre
ali mesmo
na raiz do desencontro.

E tudo o mais que eu sinto
E tudo o mais que eu não digo
E tudo o mais
que não há como o escrever.
________________

Eme

Um Mar dado nas mãos



Não sei se eu te pedi
Ou se pensei em voz alta:
“mais do mesmo”

Mas não
“mais no do mesmo”
não
Mas mais de mais

Quero dar-te mais
Mais que esse Mar que tu me deste

Quando a tuas mãos se enterraram na areia
Numa viagem rasgada
de pele e de veias
Eu esteira de universo
em vendaval de êxtase
à porta do grito e da lágrima
Em chão de fúria
adiada
Nesse universo ceifado de mágoa e de sal

Que sabor de navio te posso dar agora ?

Se o teu gosto ficou em mim
numa promessa de rios
no arrepio de pecado
de nascentes inteiras.
Num mar que me afogou
em gemidos
pelas tuas mãos
ao mesmo tempo presas
ao mesmo tempo livres.

Quero pintar a claridade do teu nome
em desígnio azul prata
selvagem e transparente
na minha corrente sanguínea.

Chamar-te deus infame
no rasgar do chicote.

Naquela secreta indecência
Que tu sabes de cor.


Eme