quinta-feira, 29 de maio de 2008

Quietude


Há qualquer coisa de absurdo
de abandono cruel
impiedoso
nesta quietude
de ramagens sem vento.
Neste absoluto silêncio.
Neste tempo de esperas
sem alma.

Neste mar sem oceano
Rente ao chão

Ensurdece-me este grito de nada
sufoca-me esta mansidão
das horas.
Este espanto aberto

que me aperta os pulsos

Este solo repetido
Igual
Sempre igual
Esta dor aguda no peito
Que vai e que vem
Insistente.

Esta ânsia
de onde o meu corpo se desprende
do absoluto.
Esta felicidade corrupta
Este pecado à luz da lua
que entra pela janela.

Ou diante do amor dos gatos no telhado

Quase que me esqueço que precisava adormecer todos os meus gestos
Para encontrar os teus.

Eme


(imagem: Mulher

de René Magritte)

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Dem (h)oras


No limite da espera
O teu nome roça-me a voz
e a nuca.

Adormeço
De mãos dadas com esse outro de ti
Que me domina
e fecunda
e eterniza.
Salto o vazio
Procuro o perfume perdido
Improvável.
Numa corrida furiosa
de potros
de selva
de sangue

a chuva acesa na tua pele
um rasto de saliva
brilhante.

O prumo do desejo
Ou o sonho inventado
Que nos parte a cintura
Nesta chama intíma de Fogo
E cascata.

Como demoras...


Eme

Limite


Estou de frente para o mar
Do lado de cá
A linha que me separa do Todo
O infinito que me foge
O Além onde os teus barcos não vão.


O limite
Onde a areia abafa o grito
A onde a água me desmancha os cabelos.
Afogo-me em passos hesitantes
E morro em beijos de algas
Rosto desfeitos de corais
Por cima do vento
Por cima da água
Onde estou inerte
e digo o teu nome.

Mas fico deste lado
Sempre deste lado
Tudo fica lado de cá
E tudo o resto existe aí dentro.
De ti
Do lado de lá.

Só as tardes quentes de flautas em canticos
Ousaram chamar-te
Devagar

Devagar

...

Eme

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Amy Winehouse - Love Is A Losing Game [Official Music Video]

Why do I wish I never played
Oh, what a mess we made
And now the final frame
Love is a losing game


Folhas


Nao quer
Mas quer
Nem sabe se é crer ou não querer.

Não sabe
Crê que quer assim
Inventa que não sabia o começo
Inventa que quer pensar
Em querer
Mas não quer.
Diz que não
O mundo não lhe existe
Mas insiste todos os dias
que o amanhã
lhe caia das mãos
Não vai crer
Que pode não querer o que agora quer
Ou é por não saber que quer
Que crê que nao quer por saber que quer.

Porque adormecer
é um acordar de manha de outono

no sonho da memória
na vertigem da Morte
Ou se quiseres

no instante
de querer
O pecado e a roupa
espalhados pelo chão
do quarto.

Nem sabe
Das folhas que disseram.
E secaram
inúteis
Debaixo do corpo.


Eme

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Cantiga de Amigo


Não que eu te ame
De corpo inteiro
Não.

Mas tu ainda lá estás
Acima das horas.
Naquele canto
Em que eu canto o encanto
este canto de bem-querer
O descanto de mal-dizer.
Quando canto
Este sumo que deslumbra
A dor paralizante nos dedos
e do gemido abafado.

Escrevo para te contar
Uma balada rendilhada de sons
…e de novo
escrevo para me cantar
o (des)encanto que desagua neste canto.


Eme

terça-feira, 13 de maio de 2008

Canto do Cisne


Há muito tempo que penso nisso
Deve haver uma clareira
Um lugar qualquer entre as copas das árvores
Com um cheiro a verde de orvalho
Para onde os sonhos vão.

Existe um lugar onde estão
Todos os toques que não tocamos
as músicas que não ouvimos
os anéis que perdemos
os sorrisos que não abrimos.

Acho que sim
Acho que eles ficam lá
suspensos numa órbita
à espera não sei bem
de que palavras
que os façam descer.

E então eis que descem
como uma bailarina
em pas de deux.
Na agonia do cisne
ou no abandono triste do lago
e te visite em modo asas.

Um dia
quando menos o esperares.


Eme

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Castelos


Cresce na areia
Olhar rasgado
De azul
Nariz ranhoso
Sorriso salgado
O Xico Zé
Desde que nasceu filho de pescador

Uma Torre,
Outra
Um castelo agora
A areia foge-lhe dos dedinhos frágeis
Unhas roxas de frio
E pés descalços
E ainda assim aquela voz rouca
de dizer castelos e fadas.

A água fria não lhe dói
Mas há tanto frio
Que não dói, mas mata.

São tantas as dores que matam
São tantas as ideias que morrem
no mar (mente)
Como os sonhos do Xico Zé
E dos putos do meu bairro.


Eme

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Templo

Já não sei se te quero
Se desespero
ou se nem quero.
Tão breve o sono tarda
como o sonho se instala
Na alvura da nuca
Branca como a manhã
Afogada pelo tempo
Em que a Lua namora o Rio

Adivinho a geometria do teu corpo
Árido e dormente
a inquietação
das tuas virilhas
Miragem desenhada ao crespúsculo
ao detalhe
Nudez intensa de claridade
Que me cega
Templo habitado
Onde me ajoelho
E venero
E oro
devagar
Prece a prece
Adivinhada.

Eme

(Sem imagem porque templo algum se assemelha ao teu corpo)

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Escadas


Fica mais um Pouco”, disseste tu
à tarde quase noite,
quando as horas tardias
não sonhavam
este ardor de espera.
As bocas doridas dos beijos
não mordiam
o teu sabor azul.
Uma espera de fervura em lume brando
Em àgua e sal
Ou de escadas a pique
(sim amanha quero (te) nas escadas)


Podíamos falar mais do “Umaguma" dos Pink Floyd
de imagens sucessivas
Ou ópticas de ácidos.

Vais-te devagar
Desces
Conheço esse olhar
“Quero ficar”
Essa suspeita de frio
Algures entre vidro e prata
Que me devolve
Uma imagem de mim
Qual rainha rebelde
Exilada
Entre veludos carmins.

Citarei agora
As palavras do segredo
Que me persegue
Ate às tantas.


Eme

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Desejo


O infinito ali à frente
Mares ?
Luares ?
Qualquer curva aguda
Que te molha aos pés
e imagina o mar
em espiral
O som das vagas
Que não chegam á praia
Ou as que morrem
com preguiça nos teus joelhos
e te acordam o espanto.

Pisamos a areia quente
Um beijo que demora
Ou os gestos que morrem nas mãos
Os silêncios
Que te fustigam apele
Ou as vagas indolentes
Que me paralizam.

É esta chuva de cores
Azul , cinza, amarga ?
Ou o destino dos lírios
Entornando a manhã
No olhar dos amantes ?

Porque não te entendo é que te desejo.
Eme