sexta-feira, 14 de novembro de 2008


em fim de tarde de um domingo frio

e eis que sou margem de rio
na ponta do pincel
estilete de tinta
a tinta azul escura
escuro o azul
azul a dança
inventada num tempo sem pressa
quando visto o meu corpo com a tua ânsia
e me encharcas no teu suor
entardecido
anoitado

depois é esta fogueira que me dança salgada na carne
um gozo secreto e agudo
que dói
atrás do vento

que vem de dentro da alma
que se acetina debaixo da pele
na voragem da boca entreaberta
no travo de língua
sabor da sede com chocolate
ou este morrer de fome nas pontes
do abismo
à beira do Limbo


presa na linha do chão
nesta-ferida absoluta que saro na tua pele
e se agiganta
quando renasce essa sonata
que compões
cada vez que a ponta dos teus dedos
me toca

devagar deslizo na tua chegada de murmúrios
sem sabermos quando
e se
outra vez

nesta delícia de dúvida constante
suspensa
no céu aberto
e no sopro quente da nuca


Eme


Imagem: Dancers in Blue
de Edgar Degas

existe um lado sombrio em cada esquina
uma solidez de silêncio
que persiste
um jogo viciado
invisível


quando não não sabemos onde guardar
o que ficou
da ânsia dos nós dos dedos
dos sorrisos atrás da janela meio fechada
dos versos que não acabam mais


o vazio do mar
o esquecimento torpe do frio
e a tristeza cortada ao meio
quando o tempo nos engole
e nos leva
para lá do absurdo
e das historias que inventámos

naquele instante em que o sol se esconde
e contudo nao é noite ainda
esta claridade anónima
doentia
impossível

será que ainda sentes meu amor as pedras que te magoam os pés ?
é neste remissão de volta
nesta vertente das ondas vazias
onde o que mais dói é o sorriso que não assoma

um ser incerto
ou um pássaro preso
porque tudo volta com o teu nome escrito a sombras
na raiva branca assumida
apunhalada

numa memória insinuada a cinzento
ou nesta demência previsível

não tarda que chova


Eme
Imagem: Edward Munch