quarta-feira, 27 de agosto de 2008

manhãs de água doce


o teu canto volta
debruado a fatias de mel
no reverso das horas
onde estivemos
entre as navalhas dos afectos
e o uso dos golpes
com que abrimos o desejo ao meio
quando meu grito surdo abria a corrente
de água
a alegria aos tropeções na noite
até encontrar a saída

abraças-me
penduras os segundos nos teus olhos
e eu sou júbilo de corpo
sereia de alma
e gritos de manhã clara
entre raízes amanhecidas
a gotas de água
goivos com cheiro quente
a intimidade

a culpa tatuada na pele
ou os muros em flor
no tempo de perfumar as mãos
com as pétalas achadas nos bolsos
do subtil encanto
de pecados de lua cheia
ou nesta maneira perfeita de amanhecer
quando procuro debaixo da roupa
o teu segredo
num repentino calafrio de convite e reticência

mas adormeço enrolada em ti
como se nada houvesse entre os teus braços e a presença improvável dos deuses




Eme

domingo, 24 de agosto de 2008

endógena


quando me olhas aí de cima
o que há em mim de presa
vacila
e se oferece em dádiva

holocausto de caos
este gosto de acesso proibido
uma culpa
de começo da montanha a pique
a leste dos outros

um calor urgente
a faísca
convicta
um torpor
que sobe devagar
com o ardor gélido da tua saliva
que me veste
num manto de organza
e inocência

dominas-me
calas-me os gritos com os beijos
as vontades
as luzes
os gestos

a teus pés
assumidamente submissa
numa festa do corpo
uma dança da alma vestida de pele e carne
a cheirar a romãs e a mar em fúria
a alma da alma
num só corpo de cela
de gruta

escrava de ti
algemas guardadas entre os seios
as mãos presas de delírio
algemada de sentidos

as dores da delícia
e aqui me dou sem luta
acordo o mundo com gemidos
cativa das tuas mãos
flutuo rastejo acendo
arrancas a dentadas a minha rendiçao
não fujo

tomas-me
partes-me ao meio num abraço
esfolas-me em desejo
derretes-me
sufocas-me com a tua carne nua
não me rendo
não cedo
não nego


Eme

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Dali


outra vez o espelho
outra vez a janela

o amor preso ente o sal
e as lágrimas
na postura serena que trouxe do olimpo
envolta na saia de linho

num destino de areia
uma sombra musical do
dia incerto
e o nome dele partido no chão

ou uma gaivota de asa despedaçada
nas raizes do suborno

é este o mar
que demora
envolto numa nuvem de frio
num cálice do absinto
o silêncio da espada
que aponta ao numero secreto das estrelas cadentes

o mar daqui
o espelho DALI
e de novo a janela

mas havia um barco a espera DELA
seguramente


Eme


Imagem: pintura de Salvador Dali

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Intermitências


não há horas
de sono
á beira dos líquidos
que nós fazemos juntos

e que nos escaldam as línguas

a luz da madrugada,
e a humidade
de chão
numa cortina de água
quando
a chuva
é sombra intensa de lua
no charco
de um fim
de rua
connosco a noite entre sussuros
o sono
e os sinos
quando o nada é tudo
trazes o sonho
para o colar
devagar
na minha pele
com esse segredo verde dos teus olhos

e tudo o mais
é menos de menos
a começar de dentro
quando te beijo
ébria
como quem se agarra a um infinito
de tudo

Eme